O hipotireoidismo congênito é uma das doenças endócrinas mais frequentes na infância, que pode provocar um potencial efeito deletério no desenvolvimento neurológico e intelectual se o diagnóstico e o tratamento não forem iniciados precocemente.
Este distúrbio endócrino ocorre devido à deficiência dos hormônios tireoidianos, tiroxina (T4) e tri-iodotironina (T3). Esses hormônios estão relacionados ao funcionamento de vários tecidos e ainda têm um papel primordial no crescimento, na formação e na maturação do sistema nervoso central (SNC). Ocorre um caso de hipotireoidismo congênito a cada 4.000 recém-nascidos vivos, proporção que aumenta para 1 a cada 2.000 crianças em regiões carentes de iodo.
Entre as causas de deficiência hormonal, a disgenesia de tireoide – que incluinão formação (agenesia), não migração (ectopia) e formação incompleta da glândula (hipoplasia) de tireoide – é a causa mais frequente. Disormonogênese (defeitos na síntese hormonal por deficiência enzimática) é a segunda causa mais comum. Há também outras causas mais raras.
O período crítico de dependência dos hormônios tireoidianos para formação do SNC abrange desde a vida fetal até os 2 anos de idade. Durante a gestação, ocorre uma transferência placentária de hormônio tireoidiano materno para a circulação fetal, que confere proteção ao feto e ausência de sinais e sintomas no recém-nascido.
Apenas 5% dos diagnósticos são realizados no período neonatal. O quadro clínico se estabelece lentamente, em semanas ou meses, sendo que a maior parte das manifestações é inespecífica. O diagnóstico deve ser considerado em qualquer lactente que apresente hipotermia transitória, icterícia prolongada, edema, aumento do tamanho da língua, bócio, fontanela posterior aumentada, dificuldade de sucção ou dificuldade respiratória às mamadas, obstipação intestinal e hérnia umbilical.
A maior parte dos sinais e sintomas passa a estar presente no terceiro mês de vida, com sintomas de hipoatividade e hipotonia, constipação intestinal e intolerância ao frio, além de sinais de retardo no desenvolvimento neuropsicomotor, retardo de crescimento desproporcional, pele pálida, seca e descamativa e fácies característica.
As principais consequências da ausência dos hormônios tireoidianos são: retardo mental grave, falência do crescimento e distúrbios neurológicos, como ataxia, incoordenação, estrabismo e perda auditiva neurossensorial.
Diagnóstico
Com o desenvolvimento de programas de triagem neonatal ou “teste do pezinho” para hipotireoidismo congênito em várias partes do mundo, tornou-se possível a realização do diagnóstico e tratamento precoce, eliminando o retardo mental provocado pela doença.
O teste do pezinho para triagem de hipotireoidismo congênito deve ser realizado em todo recém-nascido entre o terceiro e o quinto dia de vida. Ele consiste na realização da dosagem do TSH (Hormônio Tireoestimulante) e/ou T4 total em amostra de sangue seco, em papel de filtro, retirada do calcanhar do recém nascido.
Em caso de alteração nos testes de triagem, repete-se a dosagem, no soro do sangue, uma semana depois. A alta sensibilidade do primeiro exame é extremamente importante para evitar que qualquer caso passe despercebido.
Muitas crianças apresentam resultados normais, o que descarta o diagnóstico de hipotireoidismo na maioria das vezes. As crianças cujos exames persistem alterados devem ser encaminhadas rapidamente a um especialista para determinação da possível causa do hipotireoidismo e da estratégia do tratamento.
Tratamento
Considera-se que 14 dias de vida seja a idade ideal para início do tratamento. As crianças que iniciam o tratamento nas primeiras semanas de vida não apresentam alterações no desenvolvimento neuropsicomotor. Quando o tratamento é iniciado precocemente, o impacto negativo do hipotireoidismo congênito grave desaparece. Além do início precoce do tratamento, é essencial garantir uma boa aderência, principalmente nos primeiros anos de vida, para evitar lesões cerebrais irreversíveis.
O tratamento consiste na reposição hormonal com hormônio tireoidiano sintético e levotiroxina (T4L). A dose recomendada varia com a idade, sendo de 10 a 15 mcg/Kg/dia no primeiro trimestre.
A monitorização do tratamento deve ser realizada clinicamente e com dosagens de T4 livre e TSH duas a quatro semanas após o início do tratamento, a cada 1 a 2 meses no primeiro ano de vida, a cada 2 a 3 meses entre 1 e 3 anos e a cada 3 a 6 meses até o completo crescimento da criança.
“Com o desenvolvimento de programas de triagem neonatal para hipotireoidismo congênito em várias partes do mundo, tornou-se possível a realização do diagnóstico e tratamento precoce, eliminando o retardo mental provocado pela doença.”